domingo, abril 24, 2005

Receita para lavar roupa suja

(Viviane Mosé)

Mergulhar a palavra suja em água sanitária depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.

Algumas palavras quando alvejadas ao sol adquirem consistência de certeza.

Por exemplo a palavra vida.

Existem outras, e a palavra amor é uma delas, que são muito encardidas pelo uso, o que recomenda aguar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente.

São poucas as que resistem a esses cuidados, mas existem aquelas.

Dizem que limão e sal tiram sujeira difícil, mas nada.

Toda tentativa de lavar piedade foi sempre em vão.

Agora nunca vi palavra tão suja como perda.

Perda e morte na medida que são alvejadas soltam um líquido corrosivo, que atende pelo nome de argura, que é capaz de esvaziar o vigor da língua.

O aconselhado nesse caso é mantê-la sempre de molho em um amaciante de boa qualidade.

Agora, se o que você quer é somente aliviar as
palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.

O perigo neste caso é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras.

Culpa, por exemplo, a culpa mancha tudo que encontra e deve ser sempre alvejada sozinha.

Outra mistura pouco aconselhada é amizade e desejo, já que desejo, sendo uma palavra intensa, quase agressiva, pode, o que não é inevitável,
esgarçar a força delicada da palavra amizade.

Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.

Outro cuidado importante é não lavar demais as
palavras sob o risco de perderem o sentido.

A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva,
produz uma oleosidade que dá vigor aos sons.

Muito importante na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa.

Conviva com a palavra durante alguns dias.

Deixe que se misture em seus gestos,que passeie
pela expressão dos seus sentidos.

À noite, permita que se deite, não a seu lado mas sobre seu corpo.

Enquanto você dorme, a palavra, plantada em sua
carne, prolifera em toda sua possibilidade.

Se puder suportar essa convivência até não mais
perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa.

Uma palavra limpa é uma palavra possível.


Não entendo

(Clarice Lispector)

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

Da chegada do amor

(Elisa Lucinda)


Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.
Sempre quis um amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.

Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.
Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.

Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.
Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
Sempre quis um amor
que não se chateasse
diante das diferenças.

Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.
Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.
Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.
Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.
Sem senãos.
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.
Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.

Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.
Sempre quis um amor não omisso
e que sua estórias me contasse.
Ah, eu sempre quis um amor que amasse.





sábado, abril 23, 2005

Character


Estava navegando pela net e encontrei este pôster. Gostei muito do texto.


Pensamento

Às vezes é tão difícil lembrar-nos disto...

sábado, abril 09, 2005

Aos Filhos de Gêmeos


(Oswaldo Montenegro)

Curioso, dispersivo
Você sempre tem algo a dizer
Signo dos opostos,
Signo dos vizinhos
Gêmeos há de ser:
Cada planeta, cada riso
Em cada esquina que houver,
Cada extremo reunido,
Cada homem gêmeo da mulher.
Gêmeos como a luz do dia
É vizinha do anoitecer
Gêmeos, chuva e quem diria
O sol que brilhará,
Dor e prazer
Cada planeta, cada riso
Em cada esquina que houver,
Cada extremo reunido,
Cada homem gêmeo da mulher

Geminiana




Geminiana, esta sou eu... curiosa, versátil, comunicativa, multifacetada!